Hell Clock é um RPG de ação roguelike brasileiro que reimagina a Guerra de Canudos, permitindo aos jogadores reescrever a história através do protagonista Pajeú, um ex-escravizado em busca de redenção e mudança do destino trágico.
A Reimaginação de Canudos: Uma Jornada no Tempo e na História
A Guerra de Canudos, um dos episódios mais sombrios e sangrentos da história brasileira, com o massacre de cerca de 20 mil civis, tem sido revisitada e reinterpretada em diversas formas de arte, da literatura ao cinema. Agora, o estúdio Rogue Snail, conhecido por sua aclamada franquia Relic Hunters, mergulha nesse capítulo doloroso para oferecer uma nova perspectiva através de seu mais recente lançamento: Hell Clock. Este RPG de ação roguelike não apenas transporta os jogadores para o sertão baiano do século XIX, mas os convida a uma missão audaciosa: reescrever o destino de Canudos.
No coração dessa narrativa está Pajeú, um relojoeiro e ex-escravizado liberto, que emerge como o grande estrategista da resistência em Canudos. Sua jornada no jogo é intrincada e repleta de desafios, com o objetivo primordial de resgatar a alma de Antônio Conselheiro, o líder carismático do movimento, e, assim, ter a chance de alterar o curso da história. Hell Clock habilmente entrelaça figuras históricas reais com elementos de fantasia sombria, conferindo a Pajeú a responsabilidade de forjar um novo destino para a comunidade. A premissa do jogo é um convite à reflexão sobre o passado, ao mesmo tempo em que oferece uma experiência de gameplay imersiva e inovadora.
Gameplay Inovador: A Fusão de Gêneros em Hell Clock
Hell Clock se destaca por sua abordagem única na jogabilidade, combinando a intensidade dos RPGs de ação com a imprevisibilidade dos roguelikes. O diretor Mark Venturelli, em entrevista ao IGN Brasil, detalha como o estúdio buscou inspiração em títulos renomados como Path of Exile e Hades para criar uma experiência que é, ao mesmo tempo, familiar e inovadora. A cada nova morte, o jogador é forçado a recomeçar do zero, uma característica clássica dos roguelikes, mas com um sistema de melhorias permanentes que permite um progresso contínuo e estratégico. Essa dualidade entre o recomeço e a persistência reflete a própria temática do jogo: a luta incessante pela resistência e a busca por um novo desfecho para Canudos.

Segundo Venturelli, Hell Clock pode ser descrito como 70% RPG de ação e 30% roguelike. Essa proporção cuidadosamente equilibrada visa oferecer a profundidade e a progressão de um RPG de loot, onde os jogadores coletam recursos e constroem seus personagens, sem abrir mão da adrenalina e da rejogabilidade que os roguelikes proporcionam. A ideia de adaptar o conceito de ‘deck builders’ para um jogo de ação em tempo real é um dos pilares da jogabilidade, incentivando os jogadores a descobrir suas próprias ‘builds’ e combinações de habilidades, em vez de seguir guias pré-determinados. Essa liberdade de experimentação, aliada à necessidade de se adaptar às bênçãos aleatórias que surgem durante as ‘runs’, garante que cada partida seja única e desafiadora.
As inspirações de Hell Clock vão além de Path of Exile e Hades, alcançando até mesmo as speedruns de Diablo 2. Venturelli destaca que a necessidade de adaptação constante, presente nas speedruns do clássico da Blizzard, foi um elemento que a Rogue Snail buscou capturar no processo criativo de Hell Clock. Essa filosofia de design se traduz em um jogo que exige do jogador não apenas reflexos rápidos, mas também pensamento estratégico e capacidade de improvisação. A escolha de Pajeú como protagonista, um guerrilheiro e estrategista, reforça essa ideia, posicionando o jogador no papel de um combatente que precisa usar sua inteligência e adaptabilidade para superar os desafios.
Desafios e Amadurecimento: A Jornada de Desenvolvimento de Hell Clock
O desenvolvimento de Hell Clock foi uma jornada de aproximadamente cinco anos, com os últimos três marcados por uma intensificação na produção e a formação de uma equipe completa na Rogue Snail. Mark Venturelli revela que, durante esse período crucial, a Netflix desempenhou um papel significativo no financiamento do projeto. Embora a parceria inicial para o jogo mobile Relic Hunters Rebels tenha sido um projeto secundário, o investimento da gigante do streaming foi fundamental para que Hell Clock pudesse ser desenvolvido na escala e com a qualidade desejadas.

Apesar da reformulação na divisão de games da Netflix em 2023, que levou ao encerramento de grande parte de seus investimentos no mercado de jogos, a excelente relação entre a Rogue Snail e a plataforma permitiu que o desenvolvimento de Hell Clock continuasse de forma independente. Esse apoio financeiro inicial foi um divisor de águas, garantindo os recursos necessários para que a visão do estúdio se tornasse realidade. Atualmente, Hell Clock é publicado em parceria com a Mad Mushroom, solidificando sua presença no mercado.
O amadurecimento da Rogue Snail como estúdio é um tema recorrente nas palavras de Venturelli. A empresa se especializou ao longo dos anos no desenvolvimento de RPGs e jogos de loot com visão top-down, e essa experiência acumulada foi crucial para a criação de Hell Clock.
Embora Relic Hunters Legend ainda seja o maior projeto da desenvolvedora em termos de escala, Hell Clock representa um marco significativo, demonstrando a capacidade do estúdio de entregar um jogo envolvente tanto em termos de jogabilidade quanto de narrativa, mergulhando em um dos episódios mais sangrentos da história brasileira. A segurança e a expertise adquiridas ao longo dos anos permitiram que a equipe enfrentasse os desafios do desenvolvimento com confiança, adaptando ferramentas e processos para garantir a excelência do produto final.
História e Cultura Brasileira a Serviço do Jogo: Uma Visão Global
Mark Venturelli, com 17 anos de experiência na indústria de games brasileira, sempre nutriu o desejo de liderar um projeto que explorasse a rica história e cultura do Brasil. Com um currículo que inclui passagens por desenvolvedoras como Critical Studios (Dungeonland) e Behold Studios (Chroma Squad), o game designer almejava lançar um título com essa temática apenas quando tivesse a maturidade artística para tal. Seu objetivo era criar um jogo que não só fizesse justiça à complexidade da cultura brasileira, mas que também fosse atraente para um público global, incluindo aqueles que pouco ou nada conhecem sobre a Guerra de Canudos.


Venturelli argumenta que, embora existam bons jogos brasileiros que abordam a cultura nacional, muitos deles dependem excessivamente desse apelo para o sucesso comercial, o que, infelizmente, não é suficiente para garantir a viabilidade em um mercado interno ainda em desenvolvimento. Ele ressalta que o público internacional muitas vezes não se conecta com o apelo cultural brasileiro, e o mercado nacional, por sua vez, demonstra pouco interesse em jogos independentes feitos no país, preferindo títulos AAA. A demo de Hell Clock, com 97% de avaliações positivas no Steam, e o Brasil sendo apenas o terceiro país em número de jogadores, corrobora essa percepção.
Diante desse cenário, a estratégia da Rogue Snail para Hell Clock foi clara: o principal atrativo do jogo deveria ser a sua jogabilidade intrínseca, capaz de cativar até mesmo quem não tem conhecimento prévio sobre a Guerra de Canudos. A ideia é que, através da experiência de jogo, os jogadores sejam introduzidos à história e à cultura que inspiraram o título. Essa abordagem visa transcender as barreiras culturais e geográficas, permitindo que a narrativa de Canudos alcance um público muito mais amplo, educando e entretendo simultaneamente.

Uma Fantasia Sombria Baseada em Eventos Reais: Representatividade e Subversão
Um dos aspectos mais notáveis de Hell Clock é a sua dedicação à representatividade. Em um mercado de dublagem historicamente dominado pelos eixos Rio-São Paulo, a Rogue Snail optou por um elenco 100% formado por atores baianos, que dão vida aos personagens com seus sotaques autênticos. As gravações foram realizadas em um estúdio em Salvador, uma iniciativa que Venturelli considera um marco em sua carreira. Ele expressa a esperança de que mais jogos brasileiros de alta qualidade consigam atrair o interesse internacional, apresentando a cultura e a história do país de forma genuína e impactante.

Além de levar a cultura brasileira para o mundo, Hell Clock também tem o importante papel de educar o próprio público brasileiro sobre a sua história. Venturelli destaca que muitos brasileiros conhecem a Guerra de Canudos apenas superficialmente, sem a real dimensão do massacre que ocorreu. O jogo, portanto, oferece uma oportunidade única de contar essa história sob a perspectiva da população que foi massacrada, incluindo o assassinato em massa de crianças, mulheres e idosos. A presença do ator Dody Só, que interpretou Pajeú no filme “Guerra de Canudos” (1997) e agora dá voz ao personagem no jogo, cria uma ponte simbólica entre as diferentes mídias e reforça a importância da representação.
É importante ressaltar que Hell Clock não se propõe a ser um documentário histórico. O jogo mescla eventos reais com elementos de fantasia sombria, criando um universo próprio onde o sobrenatural se entrelaça com a história. Essa abordagem permite subverter, ao menos na ficção, o desfecho trágico do massacre, dando a Pajeú a chance de vingar seu povo e reescrever a história. A escolha de Pajeú como protagonista, um ex-escravizado que lutou na Guerra do Paraguai para conquistar sua liberdade e encontrou refúgio em Canudos, é emblemática. Sua história de vida, marcada pela luta e pela busca por um lugar no mundo, reflete a jornada de milhares de outros que encontraram em Canudos uma esperança de vida digna.

Conclusão: Um Legado de Resistência e Reimaginação
Hell Clock transcende a definição de um simples jogo; ele se estabelece como uma obra de resistência, uma ferramenta para revisitar e, na ficção, reescrever um dos capítulos mais dolorosos da história brasileira. Através de uma jogabilidade inovadora que mescla RPG de ação e roguelike, e uma narrativa profunda que honra a cultura e a história do Brasil, a Rogue Snail entrega uma experiência que é ao mesmo tempo desafiadora e educativa.
A escolha de Pajeú como protagonista, a representatividade no elenco de dublagem e a fusão de elementos históricos com fantasia sombria demonstram o compromisso do estúdio em criar um jogo que não apenas entretém, mas também provoca reflexão e diálogo sobre o passado e o presente. Hell Clock é um testemunho do potencial dos jogos como meio de expressão artística e cultural, capaz de iluminar histórias esquecidas e inspirar novas perspectivas sobre a identidade brasileira.
A Guerra de Canudos: Um Capítulo Crucial da História Brasileira
A Guerra de Canudos, ocorrida entre 1896 e 1897 no sertão da Bahia, representa um dos mais trágicos e complexos conflitos da história do Brasil. O embate colocou de um lado o Exército da recém-proclamada República e, do outro, os sertanejos liderados por Antônio Conselheiro, um líder religioso e carismático que pregava a fé e a resistência contra as injustiças sociais e a opressão do governo. A comunidade de Canudos, ou Belo Monte, como era conhecida, tornou-se um refúgio para milhares de camponeses, ex-escravizados e despossuídos que buscavam uma vida mais justa e digna, longe da miséria e da exploração.

O movimento de Canudos, embora de caráter messiânico e religioso, possuía profundas raízes sociais e econômicas. A população do sertão vivia em condições precárias, marcada pela seca, pela fome e pela ausência de apoio governamental. A proclamação da República, com suas novas leis e impostos, e a separação entre Igreja e Estado, que afetava diretamente a vida religiosa da população, geraram um grande descontentamento. Nesse cenário, Antônio Conselheiro emergiu como uma figura de esperança, prometendo um reino de justiça e igualdade, o que atraiu milhares de seguidores para Canudos.
O crescimento da comunidade e a recusa em se submeter às autoridades republicanas foram vistos como uma ameaça à ordem estabelecida. O governo, influenciado por latifundiários e políticos locais, que viam em Canudos um foco de monarquismo e fanatismo, decidiu intervir militarmente. Foram enviadas quatro expedições militares contra Canudos, sendo as três primeiras derrotadas pelos sertanejos, que, apesar de mal armados, lutavam com bravura e conhecimento do terreno. A quarta e última expedição, com um contingente militar muito superior e armamentos pesados, incluindo canhões, conseguiu finalmente destruir a comunidade, resultando em um massacre brutal.

O saldo da Guerra de Canudos foi devastador: estima-se que cerca de 20 a 25 mil sertanejos foram mortos, incluindo mulheres, crianças e idosos. A comunidade foi completamente arrasada, e Antônio Conselheiro foi morto. O conflito expôs as profundas desigualdades sociais e a violência com que o Estado brasileiro tratava as populações mais vulneráveis. A Guerra de Canudos se tornou um símbolo da resistência popular e da luta por justiça social no Brasil, sendo estudada e revisitada por historiadores, sociólogos e artistas como Euclides da Cunha, em sua obra-prima ‘Os Sertões’.
É nesse contexto histórico e social que Hell Clock se insere, buscando não apenas recontar a história, mas oferecer uma nova perspectiva, uma chance de redenção e de mudança para os personagens e para o próprio desfecho do conflito. A proposta do jogo de permitir que Pajeú, um ex-escravizado e estrategista, altere o curso dos acontecimentos, é uma forma de dar voz e agência àqueles que foram silenciados pela história oficial.

A Profundidade Narrativa e o Elenco de Personagens de Hell Clock
Além da jogabilidade inovadora e da imersão histórica, Hell Clock se aprofunda na construção de uma narrativa rica e complexa, que dá vida aos personagens e ao universo do jogo. Pajeú, o protagonista, não é apenas um avatar do jogador, mas uma figura com uma história de vida marcante e um propósito claro. Sua jornada para resgatar a alma de Conselheiro e reescrever o destino de Canudos é permeada por desafios internos e externos, confrontando-o com as almas torturadas dos mortos, monstros ferozes e até mesmo os espíritos daqueles que contribuíram para o massacre. Essa descida ao mundo dos mortos, literal e metaforicamente, é uma representação da luta pela memória e pela justiça.
O jogo habilmente tece a história de Pajeú com a de outros personagens reais da Guerra de Canudos, como o próprio Antônio Conselheiro e o guerrilheiro João Abade. A interação com esses personagens, que assumem novos papéis dentro da ficção do jogo, enriquece a experiência narrativa. A cada nova campanha, o jogador dialoga com João Abade, obtendo equipamentos melhorados e aprofundando a conexão com a resistência de Canudos. Essa abordagem não apenas humaniza os personagens históricos, mas também permite que o jogador explore diferentes facetas do conflito e suas consequências.

A representatividade, como já mencionado, é um pilar fundamental da narrativa de Hell Clock. A escolha de um elenco de dublagem inteiramente formado por atores baianos não é apenas um detalhe técnico, mas uma decisão que confere autenticidade e profundidade cultural ao jogo. O sotaque nordestino, muitas vezes marginalizado na mídia nacional, ganha destaque e voz, reforçando a identidade regional e a conexão com a história de Canudos. Essa valorização da cultura local, aliada à representação de diferentes religiões no sistema de bênçãos do jogo, demonstra o compromisso da Rogue Snail em criar uma obra que seja fiel às suas raízes e, ao mesmo tempo, universal em sua mensagem.
A narrativa de Hell Clock também se destaca por sua capacidade de abordar temas complexos como memória, resistência e justiça. Ao permitir que o jogador altere o desfecho de um evento trágico, o jogo convida à reflexão sobre o poder da agência individual e coletiva na construção da história. A fantasia sombria, com seus elementos sobrenaturais, serve como uma lente através da qual o passado pode ser revisitado e reinterpretado, oferecendo uma catarse e uma esperança de que, mesmo diante das maiores adversidades, a luta por um futuro melhor é sempre possível.
O Processo Criativo: Da Ideia à Realidade em Hell Clock
O processo de criação de Hell Clock, conforme detalhado por Mark Venturelli, foi marcado por uma mistura de ousadia e pragmatismo. A ideia de mesclar elementos de RPG de ação e roguelikes, embora parecesse óbvia para o diretor, gerou uma constante preocupação de que outro estúdio pudesse ter a mesma sacada antes do lançamento de Hell Clock. Essa ansiedade, no entanto, apenas reforçou a convicção da equipe na originalidade e no potencial do projeto. A Rogue Snail, com sua expertise em RPGs e jogos de loot, como a franquia Relic Hunters, encontrou em Hell Clock a oportunidade de aplicar seu conhecimento em um contexto narrativo profundamente brasileiro.

A decisão de focar em um jogo que fosse 70% RPG de ação e 30% roguelike não foi arbitrária. Venturelli explica que as sensações de progressão em ambos os gêneros são distintas: enquanto os RPGs de ação, como Diablo e Path of Exile, exigem um comprometimento de tempo longo para a coleta de recursos e construção de personagens, os roguelikes, como Hades, são caracterizados por corridas rápidas e reinícios constantes.
O desafio era unir o melhor dos dois mundos, oferecendo a profundidade de um RPG de loot com a rejogabilidade e a adrenalina de um roguelike. O resultado é um sistema onde o jogador coleta muitos recursos para usar, mas também precisa se adaptar a cada nova ‘run’, com bênçãos aleatórias e a necessidade de descobrir as melhores combinações para seu estilo de jogo.
Essa filosofia de design se estende à construção de builds. Em vez de guias prontos, Hell Clock incentiva a experimentação e a descoberta. O jogador pode focar em dano, velocidade de movimentação ou tempo de recarga de habilidades, mas a imprevisibilidade das bênçãos exige adaptação constante. Essa dinâmica não apenas torna a jogabilidade mais engajante, mas também reforça a temática de resistência e improvisação que permeia a narrativa da Guerra de Canudos. A escolha de Pajeú, um estrategista e combatente, como protagonista, é um reflexo direto dessa abordagem de design, onde a ação e a estratégia se complementam.
Um momento de validação importante para a equipe foi o elogio de David Brevik, diretor de Diablo 1 e 2, ao protótipo de Hell Clock. Embora a parceria com a Graybeard Games não tenha se concretizado, o reconhecimento de uma figura tão influente na indústria de RPGs de ação deu um gás extra para a Rogue Snail continuar apostando na ideia. Esse feedback externo, somado à paixão da equipe pelo projeto, foi crucial para superar os desafios financeiros e técnicos que surgiram ao longo dos cinco anos de desenvolvimento.
Hell Clock e a Relevância Cultural: Um Jogo que Ecoa o Presente
A importância de Hell Clock transcende o universo dos games, posicionando-se como uma obra de relevância cultural que ecoa questões presentes na sociedade brasileira. Ao revisitar a Guerra de Canudos, um conflito que expôs as profundas feridas sociais e a violência do Estado contra os mais vulneráveis, o jogo convida à reflexão sobre a persistência dessas desigualdades e a necessidade de resistência. A narrativa de Pajeú, um ex-escravizado que busca um lugar no mundo e encontra em Canudos um refúgio, ressoa com as lutas contemporâneas por justiça social e reconhecimento.
A recepção de Hell Clock, tanto pela crítica especializada quanto pelo público, tem sido majoritariamente positiva. As análises destacam a originalidade da proposta, a profundidade da narrativa e a inovação na jogabilidade. A demo do jogo, com 97% de avaliações positivas no Steam, é um indicativo do engajamento e da aprovação dos jogadores. Essa resposta positiva não apenas valida o trabalho da Rogue Snail, mas também demonstra o potencial de jogos com temática brasileira de alcançar um público amplo, tanto nacional quanto internacionalmente.
O sucesso de Hell Clock também pode ser atribuído à sua capacidade de dialogar com diferentes públicos. Para aqueles que já conhecem a história de Canudos, o jogo oferece uma nova perspectiva e a oportunidade de interagir com um evento histórico de forma imersiva. Para os que desconhecem esse capítulo da história brasileira, Hell Clock serve como uma porta de entrada, despertando o interesse e a curiosidade. A dublagem com sotaque nordestino, a representação de diferentes religiões e a abordagem de temas como memória e resistência contribuem para essa conexão com o público, tornando o jogo uma experiência culturalmente rica e significativa.
Além disso, Hell Clock se insere em um movimento crescente de jogos brasileiros que buscam explorar a rica tapeçaria cultural e histórica do país. Títulos como ‘Dandara: Trials of Fear’, ‘Árida: Floresta Morta’ e ‘Horizon Chase Turbo’ demonstram a diversidade e a qualidade da produção nacional. Hell Clock, ao abordar um tema tão sensível e complexo como a Guerra de Canudos, eleva o patamar dessa discussão, mostrando que os jogos podem ser não apenas entretenimento, mas também veículos para a educação, a reflexão e a preservação da memória.

O impacto de Hell Clock vai além das telas, contribuindo para a valorização da cultura nordestina e da história do Brasil. Ao dar voz a personagens e eventos que foram marginalizados ou esquecidos pela narrativa oficial, o jogo promove uma reinterpretação do passado, incentivando o público a questionar e a buscar novas perspectivas. Essa capacidade de provocar o pensamento crítico e de gerar diálogo é um dos maiores legados de Hell Clock, consolidando-o como uma obra de arte que transcende o seu formato e se torna um agente de transformação cultural.