Clair Obscur: Expedition 33 se tornou um fenômeno mundial ao combinar elementos de JRPG com narrativa francesa, vendendo mais de 1 milhão de cópias na primeira semana. A roteirista Jennifer Svedberg-Yen revela como a pandemia da COVID-19 influenciou diretamente os temas centrais do jogo, especialmente o luto e a perda, criando uma experiência que ressoa universalmente com os jogadores.
O Fenômeno Inesperado que Conquistou Milhões
Clair Obscur: Expedition 33 emergiu em abril de 2025 como uma das surpresas mais agradáveis da indústria de jogos. O que começou como o projeto de estreia da Sandfall Interactive rapidamente se transformou em um fenômeno global, superando todas as expectativas iniciais da equipe de desenvolvimento.

A roteirista principal Jennifer Svedberg-Yen confessa que inicialmente imaginou que o jogo ressoaria principalmente com “um grupo de jogadores principais que amam JRPGs de turno”. No entanto, a realidade superou suas projeções mais otimistas. O título atingiu a marca impressionante de mais de um milhão de cópias vendidas na primeira semana, impulsionado por um “belo boca a boca” que se espalhou organicamente entre a comunidade gamer.
O sucesso não foi acidental. Segundo Svedberg-Yen, foi “a junção de uma série de diferentes fatores” que criaram essa tempestade perfeita. O mundo visualmente deslumbrante concebido pelo diretor de arte Nicholas Maxson-Francombe (que, curiosamente, fala português), combinado com a trilha sonora excepcional e a visão de Guillaume Broche e Michel Nohra, resultou em uma experiência que transcendeu as expectativas do gênero.
A Influência Direta da Pandemia na Narrativa
Um dos aspectos mais fascinantes do desenvolvimento de Clair Obscur: Expedition 33 é como a pandemia da COVID-19 influenciou diretamente a construção narrativa do jogo. Svedberg-Yen revela que quando a equipe estava escrevendo, “acontecia a pandemia da Covid-19, então [a morte] também estava ao nosso redor”.

A conexão entre a realidade mundial e a ficção do jogo se tornou quase profética. “A doença foi uma força desconhecida, não entendíamos o que era e surgiu do nada. As pessoas estavam morrendo muito abruptamente, sem a chance de realmente dizer adeus”, explica a roteirista. Essa experiência coletiva se refletiu naturalmente na premissa do jogo, onde pessoas morrem sistematicamente a cada ano devido ao Monólito.
A abordagem do luto no jogo não foi uma decisão consciente inicial, mas sim uma extensão natural da história. “Foi parcialmente porque quando pensamos na premissa de pessoas morrendo todo o ano, isso naturalmente levou à ideia de ‘bom, como essas pessoas se sentem?'”, comenta Svedberg-Yen. Essa autenticidade emocional se tornou um dos pilares que sustentam a narrativa envolvente do jogo.
O Método Anti-Lost: Planejamento Narrativo Sólido
Uma das características mais interessantes do processo criativo de Clair Obscur: Expedition 33 é a abordagem metodológica adotada pela equipe para evitar os problemas narrativos que plagaram séries como Lost. Svedberg-Yen admite ter desenvolvido um “incômodo pessoal” com produções que levantam questões sem ter as respostas.
“Desculpe, J.J. Abrams”, brinca a roteirista, antes de explicar como essa experiência negativa como espectadora influenciou positivamente sua abordagem como escritora. “É uma coisa saber e não mostrar, mas acho que quando os próprios criadores não sabem as respostas para as questões que estão levantando é um problema para mim.”

O planejamento da Sandfall Interactive foi exemplar nesse aspecto. “Quando começamos, tínhamos a premissa, a Artífice e o Monólito. A primeira coisa foi: quem é ela? Por que ela está fazendo isso? Como tudo funciona? Qual é a resolução e qual é o final?”, detalha Svedberg-Yen. Essa base sólida permitiu que a equipe navegasse pelas inevitáveis mudanças de produção sem perder o foco narrativo central.
Personagens Sacrificados: As Histórias Não Contadas
O desenvolvimento de qualquer jogo envolve decisões difíceis, e Clair Obscur: Expedition 33 não foi exceção. Alguns personagens que inicialmente teriam papéis mais proeminentes acabaram sendo reduzidos devido a limitações de produção e narrativa. O caso mais notável é o de Clea, interpretada por Devora Wilde (conhecida por dar voz à Karlach em Baldur’s Gate 3).

“Clea estava originalmente planejada para estar mais presente. Ela estava na história”, revela Svedberg-Yen. A decisão de reduzir sua participação foi puramente prática: “Por questões de produções e narrativa, decidimos que seria melhor se talvez a afastássemos um pouco. Apenas porque há muitos personagens, muitos detalhes rolando, muita nuance.”
Julie, membro da Expedição Zero com Verso e Renoir, sofreu destino similar. Sua história, que pode ser vista rapidamente em anotações de diários e em Águas Flutuantes, originalmente tinha muito mais profundidade. “Nós havíamos planejado um papel maior para ela, mas não sentimos que se encaixaria no ritmo tão bem”, explica a roteirista.
A Química Autêntica Entre os Personagens
Uma das qualidades mais elogiadas de Clair Obscur: Expedition 33 é a naturalidade das interações entre os personagens. Essa química não foi acidental, mas resultado de uma abordagem metodológica específica adotada pela equipe de roteiro.
“O principal é que iniciamos com o personagem e quem ele é, quais são as suas emoções, quais são as coisas que ele quer fazer”, explica Svedberg-Yen. Essa abordagem character-first permitiu que cada personagem mantivesse sua autenticidade, mesmo quando as necessidades narrativas exigiam certos relacionamentos.
O foco em Maelle e seus parentes permitiu que cada um dos “relacionamentos contrastantes” fosse marcado por “relações bastante distintas entre si”. A roteirista destaca que começaram “do personagem para ter certeza de que estamos sendo verdadeiros com eles”, ao invés de forçar dinâmicas artificiais.
O Processo de Gravação com Estrelas de Hollywood
Um dos aspectos mais intimidantes do desenvolvimento foi trabalhar com atores de renome como Charlie Cox e Andy Serkis. Svedberg-Yen confessa que estava “em choque durante o processo de gravação, questionando se os atores achariam que o roteiro escrito era uma ‘porcaria'”.

A preparação foi meticulosa. “Para Charlie Cox e Andy Serkis fizemos uma apresentação separada de uma a duas horas, cara a cara. Para Jennifer English, Ben Starr e os demais, compartilhamos materiais de preparação”, detalha a roteirista. Essa abordagem respeitosa e profissional resultou em performances excepcionais.
O momento final das gravações foi particularmente emocional. “Acho que muitos de nós ficamos muito emocionados na sala. Muitos de nós estávamos lacrimejando e levemente chorando”, lembra Svedberg-Yen. O encerramento do processo representou “sua própria forma de luto”, um momento agridoce de despedida dos personagens que haviam criado.
O que Esperar Daqui Pra Frente?
O futuro de Clair Obscur: Expedition 33 permanece promissor, mas cauteloso. A Sandfall Interactive tem recebido inúmeros pedidos de fãs para expandir o universo através de diferentes mídias. “Tivemos muitos pedidos de fãs e da comunidade, temos recebido muitas mensagens no Instagram pedindo por livros da história”, revela Svedberg-Yen.
A equipe está “definitivamente considerando” diversas possibilidades, incluindo livros, quadrinhos, adaptações para televisão e cinema, e até jogos de tabuleiro. No entanto, a abordagem permanece cuidadosa: “Estamos olhando para isso e tentando ver o que faz mais sentido entre todas as diferentes mídias que existem.”

Atualmente, o foco principal continua sendo o aprimoramento do jogo original, “abordando muitos dos pedidos dos jogadores” para melhorar a experiência através de novos idiomas e polimentos. A Sandfall Interactive quer ser “muito cuidadosa com a abordagem e ter certeza que qualquer coisa que fizermos funcione em conjunto” para manter a qualidade que tornou o jogo um fenômeno instantâneo.
Clair Obscur: Expedition 33 provou que jogos independentes podem competir no cenário mundial quando combinam visão artística clara, narrativa autêntica e execução técnica sólida. O impacto da pandemia na criação do jogo serve como lembrete de como eventos globais podem influenciar profundamente a arte, criando obras que ressoam universalmente com audiências em busca de experiências genuínas e emocionalmente significativas.